Não passarão!

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Na Espanha, nos anos 30 do século XX, travou-se uma batalha entre as forças políticas que defendiam a democracia – os Republicanos, e uma oposição fascista liderada pelo militar Francisco Franco, que ao vencê-los militarmente apoiados pelo nazifascismo ítalo-germânico, abriu as portas do inferno no que foi a segunda Guerra Mundial com seu cortejo de horrores.

Rio de Janeiro, final da segunda década do século XXI. Sob uma intervenção federal-militar, gesto midiático desesperado de um governo federal que é o mais impopular das democracias do planeta, com a intenção de tentar conter a crise aguda das instituições, simbolizada pelo caos na produção de segurança pública, é assassinada a aguerrida militante dos Direitos Humanos, relatora do acompanhamento da Intervenção, vereadora da cidade do Rio, Marielle Franco. Eleita pelo PSOL e quinta vereadora mais votada, Marielle foi alvejada com três tiros na cabeça, na noite da última quarta-feira, depois de ter participado do evento chamado “Jovens Negras Movendo as Estruturas”, que aconteceu no Centro da cidade. Além de Marielle, o motorista Anderson Pedro Gomes também foi baleado e morreu. Os criminosos fugiram sem levar nada.

Sua morte brutal, a de uma pessoa que defendia vidas, igualdade e direitos, é a tentativa de matar a luta de construção da democracia no Brasil, a possibilidade de ter uma sociedade mais digna. É a tentativa de matar o direito a sonhar. Moradora da favela da Maré, Marielle havia reclamado da violência na cidade e questionado a ação da Polícia Militar, um dia antes de ser assassinada.

Com características de execução planejada, em um Rio supostamente em processo de estabilização, independente da autoria do crime, o que se impõe é a falência total de um sistema de Segurança Pública em que, de forma irracional, se insiste irresponsavelmente em repetir fórmulas de ação que não trazem resultados e só fortalecem a criminalidade, aprofundam a insatisfação da população e desperdiçam-se recursos escassos.

Cada tiro dado em Marielle Franco nos atinge. Cada tiro coloca em dúvida a possibilidade digna desta sociedade. Cada tiro tenta nos calar em vida.

Voltando à Espanha que resistia aos ataques à Democracia naqueles dias sombrios, uma carta de um artista dizia: “nunca pensei que pudéssemos perder a guerra; nunca imaginei, até a última hora, quando tudo já era irremediável”. Nenhuma morte faz sentido. A vida sim.

Que a morte de Marielle seja o ponto de virada em tempos de Quaresma e de aproximação da Páscoa. Que cada vez mais a vida humana seja motivo de nossa luta. E sua morte possa ter o condão de Renascimento do Rio de Janeiro e do Brasil. Não passarão!!

Newton de Oliveira é professor de Direito do Mackenzie Rio e ex-subsecretário de Segurança.

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