Iniciei meus estudos como Doutoranda em Neurociência e muitos me questionaram por que não o fiz na Educação. Então, decidi escrever este artigo para esclarecer alguns pontos fundamentais. “Neurociência” é uma disciplina recente, agrupando neurologia, psicologia e biologia. Os estudos estão relacionados à estrutura do sistema nervoso central e de como ele pode afetar de tal maneira a área cognitiva e a questão da aprendizagem.
Estudos fundamentais sobre a função da percepção, emoções, aprendizagem e memória mostraram significativo progresso, especialmente adotando abordagens da neurociência cognitiva. Aprendizagem e educação podem ser estudadas e estão ligadas, pois não há aprendizagem significativa sem a educação.
Henri Wallon foi um dos primeiros a levar não só o corpo da criança para dentro da sala de aula, mas também suas emoções. Fundamentou suas ideias em quatro elementos básicos que se comunicam o tempo todo: a afetividade, o movimento, a inteligência e a formação do “eu” como pessoa. O homem é um ser social e que aprende de forma voluntária ou involuntária. Nosso cérebro adquire conhecimento mesmo das maneiras mais estranhas e inesperadas: pode ser apenas focando em uma imagem, observando uma ação, ou mesmo num inesperado flash da mente que traz informações armazenadas ao longo da vida.
A Neurociência tem se preocupado em analisar as causas e efeitos que interferem nestas questões de aprendizagem, analisando tanto a área cognitiva como a emocional. Muitos fatores interferem nas questões de aprendizagem independente do potencial de capacidade de raciocínio.
Algumas crianças que foram estimuladas e estão prontas para adquirir a leitura podem não conseguir, por questões sociais, emocionais e até mesmo por falta de uma alimentação saudável, que pode nutrir o organismo com as vitaminas básicas para o cérebro conseguir trabalhar com equilíbrio.
Depois de muito se ter lutado e a luta continua por muito tempo no Brasil para a garantia da educação infantil – nós, educadores, estamos vivendo um novo momento num processo de construção dos saberes na infância. Precisamos construir um processo educativo capaz de trazer à criança a autonomia e a identidade. Aliás, não só das crianças, mas da sociedade na qual ela está inserida e, portanto, dar mais vida ao viver a infância na escola.
Hoje, não é possível mais se dedicar apenas à Pedagogia para resolver os problemas da sala de aula. O cérebro, principalmente da criança em idade pré-escolar, muito recebeu de contribuições da Neurociência sob o enfoque dos esclarecimentos, das ajudas, das compreensões do aprender, que não eram possíveis há 50 anos e é por isso que devemos repensar nossas ações.
Atualmente, o pedagogo também é um neuropesquisador. As emoções têm papel preponderante no desenvolvimento da pessoa. É por meio delas que o aluno exterioriza seus desejos e sua vontade. Em geral, são manifestações que expressam um universo importante e perceptível, mas pouco estimulado pelos modelos tradicionais de ensino. O estado emocional geralmente impede o indivíduo de exercer determinadas atividades cognitivas. O cérebro humano, embora pareça uma massa única, possui divisões – as chamadas áreas cerebrais – que são as grandes responsáveis por atitudes e comportamentos humanos: ver, ouvir, sentir fome, entre outras.
O cérebro realiza várias tarefas incríveis: controla a temperatura corpórea, a pressão arterial, a frequência cardíaca e a respiração. Aceita milhares de informações vindas dos nossos sentidos, e faz as interconexões destas informações. Controla nossos movimentos físicos ao andarmos, falarmos, ficarmos em pé ou sentarmos de forma operacional e controlada, deixa-nos pensar, sonhar, raciocinar e sentir emoções.
Todas essas tarefas são coordenadas, controladas e reguladas por um órgão que tem mais ou menos o tamanho de uma couve-flor: o cérebro.
Algumas coisas que chamam a atenção: a criatividade e o talento ou, a discussão maior: por que algumas crianças, com alta capacidade de raciocínio, não conseguem desenvolver todo o potencial cerebral? Talvez seja o principal motivo que me estimulou a estudar Neurociências, por acreditar que nem tudo que o nosso cérebro tem armazenado é capaz de se reproduzir nas ações diárias.
Estamos vivendo tempos modernos, cheios de tecnologia, e as mesmas crianças e adolescentes capazes de dominar as diversas máquinas com seus mais complicados softwares e hardwares não conseguem muitas vezes acompanhar a escola de maneira adequada, adquirir a linguagem, a interpretação, têm dificuldades nas áreas exatas. Eis aí a indagação, como as pessoas mais velhas, que não nasceram na geração da tecnologia, enfrentam várias dificuldades com as máquinas, apesar de muitas delas serem profissionais de sucesso como advogados, professores, médicos, engenheiros…
Atualmente, não estranhamos se um neto estiver ensinando um avô advogado a usar um celular. As emoções não são criadas pelo coração como muitos pensam e até dizem – “Tenho coração mole”. Isto é uma metáfora! As emoções têm origem na atividade dos circuitos neuronais e determinam como nos comportamos como indivíduos. Segundo Ricardo Valim, autor que define a mente humana como grande enganadora dos nossos sentimentos, é possível que sim, pois se as emoções estão sendo estabelecidas em circuitos cerebrais, ou seja, em encontros dos neurônios, é bem possível que a mente utilize-se destes artifícios para causar nas pessoas uma sensação de bem-estar diante de grandes dificuldades, ou então ao contrário, despertando-lhe o medo, a sensação de incapacidade, de vazio, tristeza…
O cérebro também é o responsável por armazenar informações, lembranças de atividades simples ou complexas e, também, é o responsável por tirá-las lá do fundo quando necessitamos. Não existe uma comprovação de que fazemos um esforço físico para estimular o cérebro de maneira voluntária. Não é comprovado que paramos em um momento para mentalizar atividades cerebrais. Há, todavia, um entendimento entre a atividade cerebral e o momento em que necessitamos da informação, ou seja, é uma atividade involuntária ligada ao psicossocial e ao cerebral.
Aqui, vamos refletir como a Neurociência pode ajudar no desenvolvimento cognitivo e nas questões relacionadas à aprendizagem. Precisamos entender que os estímulos externos ajudam o cérebro a trabalhar na área específica que desejamos. Se conseguirmos conciliar um ambiente agradável com ajuda psicológica e valores morais, o cérebro pode reagir de maneira mais eloquente e transformar o que antes eram apenas funções cerebrais em ações, pois irá transmitir ao corpo toda a aprendizagem que está armazenando quando estabelece as relações entre as atividades cerebrais. Não podemos pensar apenas em Neurônios, trocando informações e mensagens que são ordenadas de fora para dentro, pois o que ocorre é que as ações externas irão comprometer as internas. Então, para que haja aprendizagem, todo o exterior irá contribuir. É por isto que a Neurociência não se propaga como apenas um estudo cerebral, mas o indivíduo como um todo e suas relações familiares e sociais.
Conhecer o papel do hipocampo na consolidação de nossas memórias, responsável pelas nossas emoções, desvendar os mistérios que envolvem a região frontal sede da cognição, linguagem e escrita, poder entender os mecanismos atencionais e comportamentais das crianças com TDAH, terão papel fundamental para despertar a mente humana e ajudar a nortear os passos para a conquista da leitura e da escrita.
As crianças que apresentam o TDAH devem ser estimuladas a interpretar, através de imagens que fazem parte do seu cotidiano, para que não haja uma força contrária entre a função cerebral e as áreas externas, possibilitando um elo entre as formas visuais e a decodificação e os sons.
O cérebro é ainda um grande e complexo mistério, porém somente através dos estudos das reações das crianças e adolescentes aos estímulos da região temporal ligada à percepção é que poderemos ter um diagnóstico mais preciso e encontrar as causas das deficiências de aprendizagem e ajudar a conquistar esta parte do cérebro que está parada, como num estado de letargia, sem querer atender aos estímulos.
Porém, temos que admitir: sem o apoio das famílias, ambiente favorável, estímulos e atendimento adequado ligando a Neurociência em outras áreas educacionais poderá até haver conquistas, mas elas serão lentas e muitas vezes não terá o resultado esperado.
Segundo a pesquisadora Vera Lúcia de Siqueira Mietto, a Neurociência se constitui, assim, em atual e uma grande aliada do professor para poder identificar o indivíduo como ser único, pensante, atuante, que aprende de uma maneira toda sua, única e especial. Desvendando os mistérios que envolvem o cérebro na hora da aprendizagem, a Neurociência disponibiliza ao educador moderno (neuroeducador), impressionantes e sólidos conhecimentos sobre como se processam a linguagem, a memória, o esquecimento, o desenvolvimento infantil, as nuances do desenvolvimento cerebral desta infância e os processos que estão envolvidos na aprendizagem a ele proporcionada.
Tomarmos posse desses novos e fascinantes conhecimentos é imprescindível e de fundamental importância para uma pedagogia moderna, ativa, contemporânea, que se mostre atuante e voltada às exigências do aprendizado em nosso mundo globalizado, veloz, complexo e cada vez mais exigente.
Porém, não podemos desistir, pois sem esforço e estudo não seremos educadores, mas apenas transmissores de conhecimento e iremos deixando para trás aqueles que não conseguem raciocinar e acompanhar o processo educacional. É isto que a Neurociência pretende: não igualar, mas respeitar as fases de maturação cognitiva e os encontros das atividades cerebrais que não são iguais entre cada ser humano, coordenando os estímulos externos com os internos.
Sueli Bravi Conte é educadora, psicopedagoga, doutoranda em Neurociência e mantenedora do Colégio Renovação.
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