Não é de hoje que o bairro da Penha é tão querido e famoso por sua história e arquitetura. Quem passeia nas proximidades do bairro, enxerga de longe, por exemplo, a Basílica de Nossa Senhora da Penha, inaugurada em 1967, mas também pode observar no alto da ladeira, a igreja “velha” da Penha, erguida em 1682 e que é outro tesouro histórico.
No Largo do Rosário, a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos foi erguida pelos escravos, que eram proibidos de rezar na Igreja Velha e por isso, construíram a sua capela de costas para a Catedral da Sé e para a igreja matriz do bairro. É encantadora.
Contudo, o patrimônio da Penha vai além do que já se conhece no catolicismo.
Por exemplo, por três meses, o bairro foi a sede do governo estadual de Carlos de Campos. Durante a Revolta de 1924, o Palácio dos Campos Elíseos foi alvo de bombardeios dos militares contrários ao presidente Artur Bernardes, que tinha o apoio de Campos. O governo, refugiado na Penha, despachava ordens para conter os revoltosos do posto policial que ficava no Largo do Rosário. Nessa época, a capital foi alvo de bombas lançadas de aviões do governo federal, no combate ao movimento tenentista.
Em 1822, dias antes da independência do Brasil, D. Pedro I passou pela Penha e participou de uma missa na Igreja Matriz, na qual teria pedido ajuda a Deus na independência de Portugal que, em breve, iria proclamar – além do apoio dos agricultores locais. D. Pedro II, seu pai, décadas mais tarde, visitava o amigo Coronel Rodovalho, em seu palacete à ladeira que segue ao Pontilhão do trem, para discutir política – e principalmente sobre os ventos fortes da República que já sopravam de norte à sul no país.
Em 1901, São Paulo ganhou a segunda linha de bonde da capital: entre o Largo do Tesouro e a Praça 8 de Setembro, na Penha. A primeira linha foi inaugurada menos de um ano antes, ligando o Largo de São Bento (Centro) ao fim da rua Barão de Limeira (zona oeste).
Essas e tantas histórias compõem o patrimônio histórico do bairro, que infelizmente não conseguiu manter de pé todas as suas construções históricas. Isso porque, a história, bem como a arte e a cultura, têm um valor alto para ser preservada. Com o tempo, parte da Penha foi tombada pelo Patrimônio Histórico da cidade, sendo as igrejas principais e o prédio do Seminário – o cartão postal do bairro, mas com as leis de tombamento definindo perímetros específicos do bairro que não poderiam ser modificados, quem saiu perdendo foram os comerciantes e moradores.
E foi nesse sentido, que no dia 10 de março, a vereadora Janaina Paschoal – PP convocou uma reunião informal entre autoridades e sociedade, para debater o assunto, que chegou até a mesma através da própria população penhense: “Não é minha intenção derrubar o tombamento histórico de lugar algum, pelo contrário, eu também não quero nenhum espigão na frente da Basílica ou da Igreja Velha, tomando o cartão postal. Eu adoro aquela imagem. Mas é preciso ver que, a população tem reclamado dessa questão, de que o tombamento e as áreas tombadas asfixiam o comércio com uma “severidade” que precisa ser revista, pois impede toda uma possibilidade de crescimento, sem proporcionar melhora no bairro e sem melhorar a qualidade destes imóveis, então, é preciso pensar uma flexibilização destas leis”.
Janaina ainda frisa: “É preciso a participação cada vez maior dos penhenses nessa questão. Que debatam, que frequentem as nossas reuniões, é preciso a presença de representantes do Conpresp, Condephaat e do Iphan também porque determinados assuntos, somente eles poderiam orientar e esclarecer. Não adianta querer que a vereadora resolva tudo sozinha, porque sem a sociedade, nós vereadores não fazemos nada”.
À mesa estiveram presentes: Marcelo Magnani, presidente da Apito (Associação dos Proprietários de Imóveis Tombados do Estado de São Paulo); Marília Barbou, Diretora do DHP (Departamento do Patrimônio Histórico) – órgão municipal; o deputado Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PL-SP); a Subprefeita da Penha, Kátia Falcão e a representante da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Penha de França, Suelen Kawano Muniz Meconi.
Douglas Nascimento, jornalista e responsável pela SP Antiga, também manifestou sua opinião: “Acho importante esse encontro e sinto pelo superintendente do Iphan, o Danilo, não poder estar aqui com a gente. Eu tenho muita preocupação quando o assunto é rever algum tombamento ainda mais na Penha, que precisa ser vista com carinho, por ser uma “Ouro Preto” de São Paulo, mas é importante salientar que a nossas leis de tombamento também são arcaicas, a última vez que se teve uma atualização das leis de tombamento a gente volta à década de 70, né? Quando foi criado o DPH – Departamento de Patrimônio Histórico, mais ou menos naquela época e tudo mais, então, é necessário, sim, uma revisão dessas leis, né? Mas com cuidado para não descaracterizar o bairro, porque o turismo, lá, poderia ser beneficiado sim, principalmente o turismo religioso’’, conclui.
Francisco Folco, diretor do Memorial Penha de França, considerou um absurdo culpar o tombamento pela falta de progresso do bairro: ‘’Já que estamos comparando, o Tatuapé não precisou abrir mão de nenhum patrimônio histórico. E olhem como cresceu. O problema da Penha é a falta de limpeza, a falta de políticas públicas que melhorem os acessos ao bairro, sem que a gente tenha que passar perto de uma favela ou um lixão – caso de quem vem de Guarulhos e ainda, tornar as ruas mais seguras e melhor iluminadas. Aqui temos uma vinícola própria, uma cervejaria artesanal de qualidade, teatro, salas de exposição, eventos culturais, mas quem sabe disso? Pasmem, os moradores de outros bairros que visitam a Penha apaixonados. O penhense, mesmo, fica em casa reclamando do tombamento”, concluiu Folco.
Marcelo Magnani ressaltou a importância do problema por parte dos proprietários: ‘’É preciso realmente olhar com atenção esses imóveis tombados, porque muitas vezes o proprietário quer cuidar, mas os custos são inviáveis. Para começar, o arquiteto precisa ser especializado em restauro e por sua vez, contratar um historiador. Ambos, vão estudar o tipo de restauro que é possível fazer, respeitando a história do local, sendo necessário ainda para isso coletar amostras de tinta, da argamassa, enfim, para saber qual material exato utilizar. Essa análise corre laboratórios do país inteiro, levando meses pra ser finalizada. Quando chegam os resultados, é preciso pôr mais dinheiro para comprar o material e aplicar na mão de obra. Esses recursos saem do bolso do proprietário do imóvel, que acaba às vezes não recebendo nenhum tostão pelo mesmo e se tentar por conta própria dar uma ‘pincelada’, leva uma multa de 50% do valor venal da propriedade. Isso precisa ser mudado”, afirma Marcelo.
Segundo o deputado Luiz Phillipe: “Turismo é dinheiro na mesa e, muitas vezes, o que eu vejo no Brasil, em cidades do interior, grandes cidades, com alto e rico patrimônio histórico, simplesmente abandonados, completamente abandonados, ressignificados e acabam sendo, na visão daqueles moradores, um estorvo para a cidade. Você perdeu ali toda uma questão identitária importante”, concluiu. Sua assessora, Vera Amatti, moradora na Penha há 60 anos, também se manifestou sobre o tombamento: “Eu acho que a Penha é um reino, e Nossa Senhora, a rainha. Não podemos brincar com nossos patrimônios, que ficam de geração para geração, contando também a nossa história. Se for ‘destombar’ o que já é protegido como a nossa identidade, o que vai ser da Penha?”, indaga aos presentes?
Um dos jornalistas presentes também mencionou sobre o prédio do seminário da Penha, icônico no bairro pela formação dos padres nos anos 60 e que precisa de reforma. O prédio pertence à Igreja Católica e está em fase de tombamento. Segundo foi informado nesta reunião, o imóvel acumula uma dívida de R$ 9 milhões em IPTU.
“Recentemente, a Cúria enviou um engenheiro até o prédio dos redentoristas na Penha, que há anos está paralisado por conta de que há um processo de tombamento em andamento. O engenheiro olhou o telhado e analisou que, embora a madeira estivesse em bom estado, não haveria muito o que mexer, tendo em vista que o material usado na construção do prédio precisava de análise e portanto, o custo do restauro seria incalculável. O mais triste é que parado, não atrai turistas. Não atrai nenhum modelo de negócio que possa gerar empregos e esquentar a economia do bairro”, afirmou o jornalista Márcio Cantero.
Segundo Márcio: ‘’O que eu vejo, é que existem áreas no zoneamento da Penha, que impedem, por exemplo, a construção de prédios que aumentariam o poder de compra no bairro. Isso no entorno do Metrô. A penha vai ter 4 estações de metrô e por que não mudar essas leis, para permitir que novos empreendimentos cheguem? Mil famílias que passem a morar no bairro, não vão consumir muito mais do que se o bairro só receber turistas em feriados? Ninguém é a favor de derrubar as igrejas ou o Largo do Rosário, mas essas leis que asfixiam terrenos mais afastados, precisam ser revistas’’,concluiu.
A vereadora promete organizar novos encontros e pede ainda mais participação da comunidade nessa questão.
Reportagem: Fernando Aires. Foto: Divulgação.
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